Tuesday, November 18, 2008

O supra-sumo da elegância urbana

Tantos recantos repletos de alto valor urbanístico que são simplesmente desconsiderados pelas pessoas de olhos e passos apressados... Cada urbe com um mínimo de alma e história há de possuir os seus. Exemplos, infelizmente, não faltam.
Para ilustrar este quadro surreal vigente, basta dizer que existem cidades inteiras não apenas abandonadas como desclassificadas pelo senso ordinário institucional, o qual determina, a partir de sua míope empáfia, o que seria OBJETIVA E QUANTITATIVAMENTE essa tal de qualidade de vida. Como contra-exemplo, pensemos nas comunidades históricas do sul gaúcho, da região cafeeira paulista e fluminense, interior mineiro, andino, boliviano, a Beatle Liverpool, Montevidéu e a península mexicana de Iucatã... ; enfim, quero dizer que onde aparentemente houver marasmo econômico – não se engane -, ali pode estar o oxigênio tão escasso e valioso em ambientes hoje considerados muito mais “prósperos”.
Assim, teríamos em dias contemporâneos um filtro às avessas que, mancomunado com determinado modo hegemônico de valorizar apenas um tipo zôo-mecânico de consumo e circulação, exclui de sua órbita centrífuga cada indício de vida "não adequada", "improdutiva", "anacrônica", "vagarosa" ou "decadente".
O dizer oculto porém onipresente: "quem não adere à corrente por ela será afogado", vem cooptando muita gente boa com ótimo potencial para pensar e agir de maneira criativa e independente. Motivo mais do que suficiente para angustiar toda pessoa esclarecida, e, ipso facto, incapaz de vislumbrar qualquer farelo benéfico pro futuro da humanidade enquanto esse individualismo cínico e vampiresco se mantiver dominando as nossas mentes.
Há, contudo, muito aquém desta lógica enviesada, outras paisagens prenhes de vida e convivência humana. Mas, por favor, não adianta descobri-las só para dominá-las em projetos de rentabilidade futura. A efervescência humana precisa estar acima do dinheiro para poder existir de verdade.

Saturday, November 08, 2008

Contemplar - verbo em extinção

Se me incomodam aqueles esnobes indispostos a passear? Mesmo que menos loucamente apressados, eles sempre existiram, é claro.
No passado, entretanto, era tão-somente mais um comportamento infeliz entre tantos outros possíveis. Agora, a arrogância (hiper) sensível apenas às próprias razões foi alçada à condição de único modus vivendi válido.
O perigo assume as cores dramáticas de uma cruzada bárbara encetada contra aquilo que um dia se entendeu como valores minimamente civilizados.* Muito além, creio eu, de passageiros estados catastróficos de humor deste que de vez em quando vos fala.
Governos estúpidos e venais insistem em não investir em transporte público de razoabilidade passável (ao invés, colocando ainda mais crédito para a compra financiada de carros pelo populacho afluente), nem tampouco em obras que tornem as calçadas passíveis de circulação não opressiva por pessoas as quais - reitere-se o óbvio criminosamente ignorado -, pelo fato de serem pedestres, não por isso teriam menor dignidade - aliás, muito antes pelo contrário - em comparação a motoristas blindados em caminhonetes gigantescas de vidros escuros ou a madames de todas os sexos e idades vidradas em suas esteiras eletrônicas de queimar, em tempo simultâneo, calorias, neurônios e todo vestígio de consideração para com o outro.
Viver sempre foi perigoso - reconheço -, porém agora, pelo jeito, já está a assumir níveis crescentes de heroísmo estratégico para vislumbrar num fio de luz a saída pra tamanha burrice e falta de vergonha na cara.
Em meio ao colossal constrangimento pelo nível ao qual chegamos não posso deixar de lançar a seguinte pergunta: quem merece esta classe média que se vende, a todo instante, por menos que os 30 dinheiros de Judas?
Resistir é a divisa. Mas como fazê-lo, sem parecer cínico, ingênuo ou deslocado e preguiçoso disfarçado (por não aceitar o trabalho escravo imposto por esta realidade madrasta), em épocas anti-utópicas e pós-revolucionárias como o mundo da primeira década do século XXI?
O pior é que problematizar demais talvez já seja dar chances para sempre irrecuperáveis ao inimigo.
*Sei que muita gente hoje em dia prefere evitar este termo repleto de implicações de ambiguidades insanáveis: "civilização"... Do mesmo modo, tenho plena consciência dos riscos refletidos na utilização de um passado supostamente superior como parâmetro de crítica ao tempo presente. Ora, o relevante desta questão, independentemente de querelas entre apocalípticos e integrados, é aquilo que se intui e se reconhece enquanto modelo razoável de convivência - não importando estabelecer, como "prova da viabilidade absoluta" desta pressuposição, o tempo e o local exato em que vivemos ou ao qual nos referimos. As épocas e as modas comportamentais se sucedem e se anulam, contudo certas sensibilidades hão de remanescer, mesmo soterradas, à espera de um outro ciclo menos estéril e ridiculamente pretensioso...