Saturday, November 08, 2008

Contemplar - verbo em extinção

Se me incomodam aqueles esnobes indispostos a passear? Mesmo que menos loucamente apressados, eles sempre existiram, é claro.
No passado, entretanto, era tão-somente mais um comportamento infeliz entre tantos outros possíveis. Agora, a arrogância (hiper) sensível apenas às próprias razões foi alçada à condição de único modus vivendi válido.
O perigo assume as cores dramáticas de uma cruzada bárbara encetada contra aquilo que um dia se entendeu como valores minimamente civilizados.* Muito além, creio eu, de passageiros estados catastróficos de humor deste que de vez em quando vos fala.
Governos estúpidos e venais insistem em não investir em transporte público de razoabilidade passável (ao invés, colocando ainda mais crédito para a compra financiada de carros pelo populacho afluente), nem tampouco em obras que tornem as calçadas passíveis de circulação não opressiva por pessoas as quais - reitere-se o óbvio criminosamente ignorado -, pelo fato de serem pedestres, não por isso teriam menor dignidade - aliás, muito antes pelo contrário - em comparação a motoristas blindados em caminhonetes gigantescas de vidros escuros ou a madames de todas os sexos e idades vidradas em suas esteiras eletrônicas de queimar, em tempo simultâneo, calorias, neurônios e todo vestígio de consideração para com o outro.
Viver sempre foi perigoso - reconheço -, porém agora, pelo jeito, já está a assumir níveis crescentes de heroísmo estratégico para vislumbrar num fio de luz a saída pra tamanha burrice e falta de vergonha na cara.
Em meio ao colossal constrangimento pelo nível ao qual chegamos não posso deixar de lançar a seguinte pergunta: quem merece esta classe média que se vende, a todo instante, por menos que os 30 dinheiros de Judas?
Resistir é a divisa. Mas como fazê-lo, sem parecer cínico, ingênuo ou deslocado e preguiçoso disfarçado (por não aceitar o trabalho escravo imposto por esta realidade madrasta), em épocas anti-utópicas e pós-revolucionárias como o mundo da primeira década do século XXI?
O pior é que problematizar demais talvez já seja dar chances para sempre irrecuperáveis ao inimigo.
*Sei que muita gente hoje em dia prefere evitar este termo repleto de implicações de ambiguidades insanáveis: "civilização"... Do mesmo modo, tenho plena consciência dos riscos refletidos na utilização de um passado supostamente superior como parâmetro de crítica ao tempo presente. Ora, o relevante desta questão, independentemente de querelas entre apocalípticos e integrados, é aquilo que se intui e se reconhece enquanto modelo razoável de convivência - não importando estabelecer, como "prova da viabilidade absoluta" desta pressuposição, o tempo e o local exato em que vivemos ou ao qual nos referimos. As épocas e as modas comportamentais se sucedem e se anulam, contudo certas sensibilidades hão de remanescer, mesmo soterradas, à espera de um outro ciclo menos estéril e ridiculamente pretensioso...

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