Wednesday, December 17, 2008

Montevidéu moderna

Estivemos em Montevidéu nas primeiras jornadas deste 2008 já moribundo. Foram cinco dias nossos por lá, antes de irmos em direção a Buenos Aires, numa rota turística, hoje, bastante desconsiderada. Tal opção dominante, aliás, se faz compreensível. Afinal, perante os olhos dos consumidores brasileiros não haveria nada para usufruir de diferente e barato na capital uruguaia.
E se por acaso houvesse, os shoppings da Recoleta e as ofertas da Florida buenairense se encontram logo ali, atravessando o rio, a "compensar" qualquer barganha. Butiques, restaurantes, museus, patrimônio arquitetônico, parques e monumentos existiriam em maior e melhor escala (e preço) do outro lado do Rio da Prata. Toda a área oriental da bacia platina, enfim, estaria envolta por uma bruma aparentemente indissipável de atraso e decadência.
Para nosso constante pesar, em tempos de verdades globalizadas, o senso comum vaticina e a mediocridade nos governa. Face à ausência de imaginação e curiosidade, Montevidéu sem dúvida possui um ar arcaico que deve soar depressivo às sensibilidades atreladas ao eterno "novo em folha" (neste sentido, é significativa a predominância de carros antigos - e pequeninos - pelas avenidas largas e fluidas da cidade). E, embora Buenos Aires não seja propriamente um lugar adornado por tintas de pujante e fresca novidade, é por óbvio maior e mais frenética; tendo adquirido – graças, diga-se também, ao auxílio da velha astúcia portenha – os ardis desta cosmética rejuvenescedora hoje tão em voga, capaz de mesmerizar as mentes e bolsos da burguesia global afluente – e que isto não desmereça, em qualquer sentido, o belo exemplo de reinvenção urbanística promovido em Porto Madero.
Mas basta, ao menos por enquanto, de ressentimentos. Mais estimulante é andar por esta cidade – e para tanto, tanto faz se naquele preciso janeiro ou repetidas vezes em meu sonho desperto – e contemplar suas formas de um modesto e permanente encanto.
Para início de conversa, preciso dizer que esta cidade sempre provocou minha imaginação geográfica de criança acostumada com mapa-múndi afixado na parede do quarto. Lembro-me, desde épocas minhas mais remotas, de ouvir comentários comparando Montevidéu a Porto Alegre em vários e vagos aspectos.
Independentemente do comum cacoete de nossa parte em enxergar o mundo apenas a partir do próprio reflexo, são inegáveis certas parecenças. As duas se expandem em seus centros peninsulares sobre vastos estuários. E ali, no coração dessas urbes há um desenho de ruas muito semelhante de paralelas e transversais ladeadas por determinadas casas antigas cuja atmosfera remete-nos de imediato a vidas pregressas em relação às quais às vezes nos perguntamos se nós, quem sabe, por acaso do destino, não as já teríamos de algum modo freqüentado.
Outro elemento significativo deste paralelo, é o processo de modernização e transformação que ambas as cidades vêm sofrendo nesses últimos anos. Mas aqui as diferenças se tornam evidentes. Enquanto em Porto Alegre - também por peculiaridades de sua economia relativamente próspera – o que se vê é um processo predatório, irrefletido e vertiginoso de modificação do espaço, em Montevidéu parece haver maior respeito – e nesta altura da conversa, não importa se isto se deve em boa parte à estagnação econômica – para com a conservação de certas localidades essenciais no acúmulo de dimensão histórica, e que, no final das contas, garantem a "alma" de uma cidade.
Assim, há vários exemplos de verdadeiras “entidades urbanas” ainda remanescentes mas que não por isso chegam a aparentar um ar retrô embalsamado (que algum gaiato seria capaz de atribuir à nossa simpática personagem montevideana). Um dos maiores emblemas deste quadro moderno-vintecentista são os cinemas de rua encontráveis em mais de um endereço – muitos deles, quase lotados por indivíduos com aparência credível de espectadores assíduos nestes curiosos templos laicos onde se costumava projetar obras da sétima arte até há pouco, quando a privatização eletrônica e virtual do espaço público acabou por nos relegar `a pusilânime condição de mônadas psíquicas sem qualquer vínculo palpável com seus ambientes sociais.
Diante disso me ocorrem perplexidades em forma de indagação com aspecto de repetitiva ingenuidade: qual a necessidade, hoje em dia, de uma banca de revistas, agências bancárias e de correios, de parques, praças, sebos e livrarias - enfim, daquilo que até quinze anos atrás servia como pretexto para a galvanização das relações de convívio humano - quando tudo parece estar a um toque da mão àqueles que possuem a mínima capacidade de endividamento?
Então, meus seletos amigos, já que não estão disponíveis respostas satisfatórias para o problema da efemeridade criminosa dos diversos símbolos, obras, serviços e ferramentas com os quais de alguma forma, inevitavelmente, ao longo da vida nos afeiçoamos, cidades como Montevidéu irrompem enquanto convite contínuo para admirar um lugar onde os idosos, confiantes, dominam não só as calçadas com suas ágeis bengalas, mas também a maioria dos restaurantes e cafés, exibindo traquejo raramente verificável em intelectos e corpos muito menos provectos.
Retrato vivo de uma sensibilidade urbana ameaçada de extinção, e muito próxima em geografia e em história de Porto Alegre, o possível verdadeiro berço do tango continua incrivelmente disponível em sua estranha distância.

Foto: Luana Emmendoerfer
Ciudad Vieja, Montevideo

Tuesday, December 09, 2008

Fruteira noturna



Fato urbano pra lá de curioso: os bairros centrais de Porto Alegre estão repletos de fruteiras que, desde priscas eras, não fecham jamais.
Foto e idéia para o título da postagem: Antônio Augusto em uma de suas caminhadas de volta para casa.