Saturday, March 28, 2009

Há dez carnavais, no Rio


Foto: Gilfredo Maulin




Estive apenas uma vez no Rio de Janeiro. Foi exatamente há dez carnavais: naquele 1999 februário.

Acompanhado de meu amigo Torelly, minha postura frente a esta cidade foi de imediata estupefação - em todos os seus mais devotos e medrosos sentidos, diga-se passageiramente. Mas mesmo o temor do guri vindo de metrópole sulista e provinciana foi talvez o menos importante dentre uma série de sentimentos muito mais leves e estimulantes.

Havia riquezas humanas inéditas em cada estranheza ou familiaridade diante de mim projetadas. Odores a exalar por todos os poros a paisagem ancestral e grandiloquente. O Rio era então promessa contínua de novas brasilidades, outros olhares e possíveis diversos passados de uma mesma identidade minha. Não importa se já estava a cidade decadente. Afinal, decadência pertence já à nossa tardia sensibilidade.
Olhava ao redor e decerto intuía: quantas outras, no mundo, como o Rio de Janeiro, possuiriam esta sintonia repleta de significados pairando irresolutos entre a geografia e a interferência humana? Ao que eu saiba e soubesse, nenhuma capital europeia; ou, ao menos, do mundo supostamente desenvolvido, com certeza.
Anos a fio assistindo novelas das oito peculiares pelo seu poder de vulgarização das paisagens e tipos humanos cariocas e mesmo assim houve surpresa sincera. A antiga capital brasileira é daquelas cidades que se devem ver e viver de perto. Cartões postais e enquadramentos clássicos não dizem a metade da história. Assim como o seu conhecido que mora no Rio não deve ser levado muito a sério em seus comentários. Mistificação e frases prontas abundam quando o assunto é o nosso personagem urbano dessa postagem.
Ladeiras fétidas e estreitas, bonde ainda vivo, prédios modernos das décadas de trinta e quarenta. Padarias matinais em Copacabana e bancas de revista na Tijuca de meu amigo Gil. Espaços vivamente promíscuos. Chope gelado nos botecos botafoguenses por onde meu pai certamente passou em 64. Continuo flanando sempre, desde aquele 99, pelas ruas daquela cartografia perigosa e convidativa.
O Rio faz parte da minha cabeça. Sem críticas corrosivas ou elogios deslumbrados. Simplesmente, o lugar como ideia e sentimento.