Friday, January 07, 2011

mais uma última sessão de cinema

Foto de Rodrigo Capote

Ontem foi anunciado que o Cinema Belas Artes, um dos últimos cinemas brasileiros de rua, está com os dias contados. Situado na Consolação, próximo à Paulista, sempre foi uma garantia de programação de qualidade e de ambiente convidativo à fruição cinematográfica.  Porto Alegre, por sua vez, há muito que se conformou aos cinemas de galerias fechadas ou de shoppings. São Paulo e Rio de Janeiro ainda contam com alguns bravos sobreviventes que atraem uma comunidade cinéfila capaz de gerar vida urbana e ressonância cultural. Mas a pressão contrária, como se pode perceber, não permite grandes doses de otimismo.

Sobre o assunto e seus significados preocupantes, a coluna de Ruy Castro na Folha de São Paulo deste 7 de janeiro de 2011:


Cidades hostis



 Uma loja de discos que fecha suas portas no Rio, um cinema que faz o mesmo em São Paulo e sabe-se lá quantas livrarias brasileiras, principalmente as de pequeno porte, não estão correndo igual risco neste momento. Os espaços de convivência adulta e civilizada diminuem. Se podemos "baixar" discos, ver filmes no vídeo ou comprar livros pela internet, para que sair de casa, enfrentar o trânsito, lutar pelo estacionamento e roçar cotovelos com outros, ora veja, seres humanos?

O avanço da tecnologia parece nos conduzir à independência, à liberdade e à autossuficiência. Dito assim é bonito. Já não o será tanto se convertermos a frase à sua verdadeira essência -a de que tal avanço está nos condenando ao individualismo, ao egoísmo e à solidão. E não sei também se esse comodismo não denotará uma certa dose de covardia em relação à vida.

Você dirá que as cidades ficaram hostis, inseguras, impróprias para uso humano, e que bom que a tecnologia nos permite certos confortos. Eu diria que exatamente por isto deveríamos lutar pelas cidades -por cada cidadela de delicadeza que elas ainda comportem.

Um cinema que fecha é uma calçada, um pipoqueiro e uma fila a menos numa cidade. É mais um quarteirão sem luzes, sem movimento noturno e sem possibilidade de encontros, amigáveis ou amorosos. É um lugar a menos para flanar, para fazer hora, até para paquerar. E é também um cenário a menos para que os jovens descubram e troquem ideias sobre cultura, história, comportamento.

Não acho que os cinemas devam continuar abertos mesmo que às moscas. O que lamento é a perda dos ditos espaços de convivência nas cidades. Para cada cinema, loja de discos ou pequena livraria que sai de cena, um supermercado, banco ou farmácia toma o seu lugar, ocupa-o agressivamente e nos embrutece um pouco mais.

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