Sunday, October 18, 2009

cinema contemporâneo

Moro em Florianópolis e desde quando vim para cá, em 2002, precisei me conformar a uma cidade bem menos sortida no que diz respeito a ofertas de salas de cinema do que Porto Alegre. Claro que mesmo antes disso a hegemonia dos "caixotes" de shopping centers já era praticamente absoluta. E o meu hábito de ir ao cinema, costume que exerço de modo mais ou menos frequente desde quando era levado pelo meu pai a partir dos cinco anos de idade, já vinha testemunhando diversos ciclos. Todos eles, no entanto, têm apontado para um único e aparentemente contraditório sentido: a um só tempo, portanto, elitiza-se e pauperiza-se um entretenimento tipicamente popular.

Ocorre que nesses últimos sete ou oito anos a situação apenas fez piorar - tanto cá quanto lá; só que aqui o cenário nunca foi abonador. Os ingressos ficaram muito mais caros (R$16,00!), e a qualidade da programação, embora o número de "caixotes" (nomeados injustamente de "salas") tenha aumentado, se reduziu a uma faixa de títulos em que pancadarias, explosões, roteiros apelativos, previsíveis, repetitivos e outras bestialidades garantem a rigorosa margem de lucro exigida por aqueles poucos que controlam o mercado de distribuição e exibição cinematográfica. Além disso, quando o filme é bom - podemos ter a prévia certeza -, ficará um tempo demasiado insuficiente em cartaz.

Como atualmente o CIC (espaço cultural da cidade aonde costumávamos ir para experimentarmos a sensação de cinema) está fechado para reformas por tempo indeterminado, não nos resta outra atitude senão a de tolerar os "Multiplex" da vida...
Pois ontem, aceitando o convite de um amigo que há algum tempo não via, fui até o "tijolão do mangue" assistir ao último filme do Tarantino. E daí, após o tempo da fila limitada por aqueles cercadinhos que se parecem com os joguinhos de labirinto que fazíamos quando crianças, e, logo mais, ser instado a "escolher" de antemão a fila e o número de minha poltrona, tive que aguentar quinze minutos de trailers, os quais, na verdade, eram propagandas semelhantes às que presenciamos na televisão.
Em meio aos anúncios das "nonagésimas" continuações de um filme americano repulsivo qualquer, ainda somos persuadidos a comprar a revistinha em que aparecem fotos e textos alusivos aos atores da película!!
Se ainda levarmos em consideração o fato segundo o qual invariavelmente haverá pessoas sem educação e despidas de paciência sentadas perto de você, falando, vendo as horas, ou escrevendo mensagens no celular, só podemos recomendar a nós próprios pensar mil vezes antes de decidir fazer um programa como esse.
Como ainda não cheguei ao fim, devo dizer que grande parte das projeções hoje disponíveis nos cinemas não provêm mais de rolos, mas de meras cópias digitais com qualidade de DVD - os mesmos que alugamos ou compramos para ver em casa!
Ou seja, pagamos caro para consumirmos bens culturais de qualidade pra lá de duvidosa.
E o filme? "Bastardos Inglórios", embora plasticamente bem construído, e cheio de diálogos cômicos e articulados, reflete para mim essa mesma atitude cínica diante do mundo que tanta gente adota pensando, logo adiante, em um maior sucesso de bilheteria.

8 Comments:

Blogger Luís Filipe said...

Para aqueles que quiseram saber um pouco mais a respeito das deficiências da projeção digital:

http://www.gopetition.com/online/31415.html

10/18/2009 5:33 PM  
Blogger Gil Maulin said...

nem o gosto as balas (velhas acompanhantes minhas nas sessões) tem o mesmo açúcar!!!!

mundo sem gosto!!!

10/18/2009 6:31 PM  
Blogger c. said...

Pois imagine que essa é a mesma lógica da distribuiçao de vinhos! O paradoxal movimento de elitizaçao, "democratizaçao" e empobrecimento. Pode ser o fenômeno da cultura de massa, com todas as suas contradiçoes?

10/19/2009 8:41 AM  
Blogger Luís Filipe said...

É verdade. Por falar em vinhos, ouvi dizer que o diretor do Mondovino acabou de ter um livro seu traduzido no Brasil. Contra toda cartilha pré-fabricada de sommeliers da vida, o sujeito parece defender a liberdade de formação do gosto próprio.
Seja como sempre foi, e voltando ao cinema, é óbvio que esse sistema de produção, distribuição e exibição cinematográfica é um harikiri de uma indústria que um dia soube aliar inventividade com aceitação do público sem por isso precisar tratá-lo como um idiota.
Não sei... Essa coisa de indústria cultural de massas já estava sendo denunciada antes de nossos pais nascerem. De qualquer modo, quando penso no século 20, fico com a impressão de uma cultura popular mais criativa e menos segmentada do que a corrente.
Odeio me encontrar naquela encruzilhada de raciocínio do tipo "será que hoje é pior ou sempre foi assim?".
Mas aposto que antes era melhor.

10/19/2009 9:47 PM  
Blogger c. said...

Sim, Luis, esse é o livro sobre o qual comentei no meu blog. O nome do livro em francês é "le gôut et le pouvoir". Não sei como traduziram para o português. Inclusive, o diretor do Mondovino e autor desse livro mora, hoje em dia, no Rio de Janeiro.

A cultura de massa entendida não como denúncia mas como compreensão do nosso tempo me parece uma chave interessante. Que talvez não abra porta alguma.

Porque, afinal, se queremos fugir a comparar as ante-salas do antes e do depois, as chaves não servem tampouco para olharmos para diante ou para trás.

E ao rodar a chave na fechadura, aposto só que a experiência de estarmos atentos é o melhor.

10/20/2009 8:04 AM  
Blogger Luís Filipe said...

Sim, Camila. Lembro de já teres feito comentários a respeito dele. Vou lê-lo para trocarmos figurinhas mais tarde.
Também acho que a discussão sobre a cultura de massa é central pra entender nossos tempos modernos. Mas me lembrei que o Adorno, lá nos anos 30, desancava estilos musicais como o jazz e títulos cinematográficos que hoje são considerados clássicos da cultura do século 20.
Estarmos atentos, sem dúvida, é sempre melhor.
Melhor ainda - digo para mim mesmo - quando não resvalamos no cacoete rançoso e ranzinza de só enxergarmos os sinais degenerativos de um mundo ainda em embulição.

10/20/2009 10:03 AM  
Blogger Luís Filipe said...

leia-se ebulição!

10/20/2009 10:20 AM  
Blogger c. said...

É isso aí, Luis!

Estarmos atentos e, especialmente, abertos ao encantamento.

10/20/2009 1:07 PM  

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